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17.9.12

`Tás surda, Ó quê?

A menina da loja de aparelhos auditivos acha que não. Lá está ela, aquele ar imaculado, com sua bata branca, na rua, a distribuir panfletos. Eu passo, e nada. Será que vê em mim a miúda que está, lentamente a desaparecer? Se sim, obrigada menina da loja dos aparelhos auditivos. Se não, é porque não a ouvi dizer nada, estou surda que nem uma porta, ela bem olhou para mim, que eu vi, mas nada de panfleto. Olá, bom dia! Aquela simpatia amarela de quem distribui panfletos, aquele sorriso forçado, e nós com aquele ar de “Não, não obrigada! E a pensar: Olha-me esta deve achar que estou surda”, mas nada. A mim a menina não me dá panfleto. Terão os surdos algum aspecto que os diferencie? Normalmente costuma-se logo ser alarve e achar “Ah, é velha, é surda!”.
Pois que não!
Lá em casa as surdas são as crianças. As duas são moucas. As duas “estão tão” no otorrino que nem calculam. Qualquer dia compro um megafone. Juro, o que não falta aí são lojas de chineses com tecnologias espectaculares, terão com certeza um “mega Megafone” de última geração. E eu vou-lhe dar uso, ó lá se vou!
Eu calma: Vão-se calçar!
Eu ainda calma (notem o “lá” na frase!): Vão-se lá calçar!
Eu a começar a passar-me: Por favor vão-se calçar!
Eu passada: Não ouvem? Não “óooooooveeeeeem" nada?
Eu, em versão megafone caseiro: Ai que caraaaaaaaaaças pá! CALCEM-SE JÁ! CALCEEEEEEEM-SE jÁAAAAAAAAA! ARGGGGGGGGG!
O querido marido diz sempre: “Que gritaria, francamente, é preciso gritares dessa maneira?”
E não tarda o efeito boomerang. Graças a alguma divindade ou encosto, existe o efeito boomerang. E então, sua excelência vai lá tentar resolver tudo com suas adoráveis meninas e, claro, em menos de nada, lá está o pobre homem em plena gritaria, a arfar: “Ai que caraaaaaaaaaças pá! CALCEM-SE JÁ! CALCEEEEEEEM-SE jÁAAAAAAAAA! ARGGGGGGGGG!”
Podemos aplicar isto a tudo, vai-te calçar, vai-te assoar, vai-te deitar, anda cá, está quieta, vem-te vestir, MAS TU NÃO ESTÁAAAAAAAS A “ÓOOOOVIR”? NÃO, AS CRIANÇAS SÓ OUVEM O QUE QUEREM, O QUE QUEREEEEEEEEEEEM!
Já estou assim, por qualquer coisa grito, às vezes fazem-me uma pergunta simples, tipo o que é o jantar? E eu respondo num berreiro: “BIIIIIIIIIIFEEEEEEEEEES, SÃOOOOOOOOO BIIIIFEEEEEES, TÁS ÓOOOOOOOVIR?”.
A solução está no megafone. Deu para perceber isso no sábado. Tantos megafones na rua ter-se-ão feito ouvir? Acredito que sim, para bem de todos. Cá em casa vou aplicar o mesmo sistema, a cada plano de austeridade aplicado (sim, em casa todos sofremos com a austeridade imposta pelas criancinhas, tiram-nas a santa paciência, esgotam-nos a energia, tem semelhanças, não concordam?), por crianças desobedientes, a seus pais cumpridores, que trabalham desaustinadamente, para que pequenos seres tenham tudo, vai de megafone, bem alto, “´TÁS ÓOOOOOOVIR, `TÁAAAAAAAAS?”. É bom que estejas!

3 comentários:

  1. Estou absolutamente deliciada com este blog!!!

    Tenho estado a ler posts mais antigos e estou farta de rir sozinha. Muitos parabéns!

    (Cá em casa também é assim, com a diferença que são dois meninos...)

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  2. bom, cheguei aqui pelas mãos da Sónia e só posso agradecer pelo humor inteligente e bem escrito ainda por cima.

    obrigada.

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  3. Mais do que ouvirem o que querem, é ouvirem quando querem...

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