.

28.7.14

Dia de neura total num pré-férias vazio de coisas interessantes

Não sei se vos acontece, mas a mim os dias imediatamente antes das férias grandes (a piada...) de Verão trazem-me uma sensação de vazio, de mais um ano que passou e não vai ficar na minha memória como memorável ou até interessante.
O pior de tudo é que a culpa é minha. Sempre.
Este ano faço 38 anos (engulo em seco vinte vezes e sinto um nó tão grande... tão grande...) e sinto que para mim está a acabar.
A atitude é minha. Sempre.
Acho que já não vou mudar. Não tenho coragem. A vida consome-me em merdas tão interessantes como as que têm que ser feitas e pagas ao final do mês. Aquelas que não há volta a dar e têm mesmo que ser garantidas.
E assim passou mais um ano. Eu desperdicei mais um ano. Por pura cobardia e por puro sentido de responsabilidade. Porque tenho quem conte comigo.
Vejo tanta gente a apregoar que mudar é assim com clicks e wake up calls... e eu duvido. De mim. Sobretudo.
O pior é lidar com a frustração. Não fosse essa velhaca e estava tudo bem e empurrava-se com a barriga.
E eu até já tenho uma parte do que tanta gente quer. Sou a minha chefe e faço os meus horários. Ganho aquilo para o qual trabalho. Só o trabalho é que não vem certo. E isso é um problema. Porque este trabalho é o que é. Não é o que eu gosto. É o que ainda me permite ganhar dinheiro e pagar contas. E levar esta vida com a barriga. O pior é a frustração. Essa velhaca.
Ai gente, é o tempo a passar e ver que que o que vai ficando para trás não é sequer digno de nota... 38... dasssssssssse!
Opá isto hoje está do pior... desculpem o desabafo, o expurgo de cenas menos agradáveis...
Sabem? Sentem este vazio? Têm alguma receita de chás de ervas para ganhar coragem? Sabem para onde posso ligar a encomendar sumaúma da alma?
Boa semana, gente!
NOTA: Desculpem o azedume nesta altura que se quer morna e caipiresca... 

3.7.14

A mulher dos muitos ofícios afinal até trabalha

O senhor do talho estranha que eu às vezes passe por lá ainda a horas que ele considera ser de trabalho. E com aquele ar de cutelo pergunta: “Então o trabalhinho… já acabou?” O sacana do homem faz aquele ar entre o gozo e o desprezo e finaliza sempre com um sonoro “… vidas boas é o que é!”

Não lhe respondo. Ponho aquele ar de cara de mostarda, amarela com especiarias a mais, e sigo caminho.

O que ele não sabe, o que muito boa gente não sabe é que eu acumulo 2 trabalhos, muito diferentes e com horários alternativos que nada têm a ver com os corriqueiros “das 9 às 7”… isso ele não sabe e nem vai saber.

Que eu quero é que ele se lixe porque eu tenho mais que fazer.

07 da manhã, Julieta  empregada doméstica ou auxiliar do lar pós-moderno: loiça do jantar de ontem, vomitado do gato no corredor, tábua montada para passar alguma peça de última hora… cúpróar e esfrega e esfrega… eu no talho outra vez e aquele cara de perna de perú: “Então o trabalhinho… já acabou?”

7 e 30 da manhã, é accionado o botão “ ardinóoooo-chocolateeeeeeee” : “Toca a acoooooooooordar, váaaaaaa despachem-se, vá… epáaaaa vá lá, vão perder a carrinha para a praia!” Grito como se a minha vida dependesse de vender um saco cheio de jornais antes da edição da tarde (lembram-se quando havia edição da tarde? O mundo de facto é outro…)

8 e 16 da manhã: Julieta Fittipaldi on the go… vruuuuuuuuum… chanato nas horas… vruuuuuuuuuum! Quem disse que as mulheres não sabem conduzir? Olhó cutelo…

8 e 17 da manhã, Julieta mediadora na “faixa banco de trás” entre a birra, o mau feitio logo de manhã e discussões tão ESTÚPIDAS como “óooooooooo mãeeeeeeeeeeeeee a mana estáaaaaaaa  dizer que isto e aquilo e o outro e não sei quê nem sei que mais porque eu isto e aquilo e óooooooooo mãeeeeeeeeeeeeee…!

8 e 29 da manhã, Julieta no Triatlo maternal: sacar duas miúdas de dentro do carro, first round! correr com miúdas, mochilas, mala, ah esperem, miúdas de chinelos sem domínio no dedão para aguentar a passo de corrida o chinelo no pé… second round! lançamento de miúdas para dentro da carrinha… third round! Tauuuuuuuuu na mucheeee…  tauuuuuuu… triatlo maternal vencido! Temos mãe campeã! Go Julie, go Julie, go Julie!

8 e 30 da manhã, Julieta senhora do adeus,  adeus, adeus até logo, adeus, o braço a agitar no ar, um grupo de pais e mães numa missão impossível (hoje então…) agitar o braço para dentro de uma carrinha com vidros fumados… sem sequer saber onde os filhos estão sentados… sem ver nada, apenas a agitar o braço… a agitarrr… o brrrraçuuuu… se isto não é persistência…

8 e 31 da manhã, Julieta mãe, empregada doméstica, ardina, “fittipaldi”, mediadora, atleta de alta competição, senhora do adeus, vai fazendo contas de cabeça, listas intermináveis de afazeres, reuniões mentais com equipas imaginárias, porque um free-lança-te, é isso mesmo um mergulhador de apneia que trabalha com todos e com ninguém, dependendo apenas de si… respira fundo… ainda nem são 9 da manhã… o que estará o senhor do talho a fazer… deve estar ocupadíssimo com o seu cutelo… "vidas boas é o que é!”

Depois durante o dia é o que se sabe. Na loja “ele é”  psicóloga, designer de interiores, psicóloga balconista, limpa-montras, psicóloga, negociadora de arte, negociadora de velharias, sirgueira, psicóloga, encantadora de cobras, psicóloga, costureira, electricista, psicóloga, and so on and so on… ah e “apaziguadora de almas em sofrimento pela falta do que fazer dos outros” sempre que o senhor do talho ciranda pela rua em busca de trocos para as clientes… “vidas boas é o que é!”

Depois encarna a Fittipaldi-psicologa-arquitecta e bisga por aí fora a avaliar cenas, vidas, casas, passos mal dados e primeiros passos… dá-lhe Julie! Não é com o cutelo… vidas… é o que é!

E quando ao final do dia ainda passo pelo talho, calhando ainda não serem 7, o sr do talho com aquele ar de farinheira estrugida saca do seu melhor sorriso pastel de massa tenra: “ Já acabou o trabalhinhuuuuu, menina?”

Não, ó costeleta de borrego, ainda não, daqui ainda vou ser motorista, alguém tem que levar quem te vai pagar a reforma para casa, tratadora de crianças, tenho que lhes dar banho, chefe profissional, de salsichas com batatas de pacote, doméstica, com cestos e cestos de roupa para estender, ou na pior das hipóteses lavá-la toda outra vez porque ali ficou esquecida para ser estendida e o cheiro a bafio já se faz sentir… não ainda não… ainda vou para a frente do computador despachar serviço e relatar tudo o que eu vi e ouvi e medi e calculei durante o dia, isto logo a seguir a me terem fritado a mioleira enquanto eu tentava mediar e ajuizar cenas de adolescentes em corpos de quase bebés, não ainda não, ó pernas de galinha, o dia ainda não acabou…

O desabafo vai longo? É mais ou menos como o meu dia… teima em não terminar… ó tipo do talho, senhor do cutelo… vidas, é o que é!

Colegas de serviço nem preciso de vos perguntar o que é que fazem na vida pois não? A lista é tão interminável como este texto… xinappppppppppá olha agora tenho que ir para mais uma das mil funções que o prego do porco acha que são favas contadas!

Isto é que vai uma vida hã?

Bom fim de semana, colegada da cocada preta!